sábado, 28 de abril de 2007

O mito de Alfonso Anriques




3. Origem de Portugal
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Permitimo-nos transcrever (resumindo), e com a devida vénia ao autor, o que figura in "Crónicas dos Sete Primeiros Reis de Portugal", Edição Crítica, pelo Académico de Número Carlos da Silva Tarouca, S. J., Vol. I, Academia Portuguesa da História, Lisboa, M CM LII. (a grafia das palavras foi actualizada).
O autor das "Crónicas dos Sete Primeiros Reis de Portugal" é Rui de Pina, um cronista e diplomata portugués (1440 - 1522).
……..
" Depois que o Conde D. Anrique foi casado com Dª Tareja, filha del-Rei (D. Afonso VI de Castela, como dito é, vindo ela a emprenhar, D. Egas Moniz, (1) mui esforçado e nobre fidalgo (…) chegou a ele, pedindo-lhe que qualquer filho ou filha que a Rainha parisse, lho quisesse dar, pera o ele criar. E o Conde lho outorgou.
"E veio a Rainha a parir um filho, grande e fermoso, que não podia mais uma criatura, salvo que nasceu com as pernas tão encolheitas que, ao parecer de mestres e de todos, julgarom que nunca poderia ser são delas. (…)
Tanto que D. Egas Moniz soube que a Rainha parira, cavalgou depressa e veio-se a Guimarães, onde o Conde D. Anrique estava, e pedindo-lhe, por mercê, que lhe desse o filho que lhe nascera, pera o haver de criar, como lhe tinha prometido.
E o Conde lhe respondeu que não quisesse tomar tal cargo, que o filho que lhe Deus dera nascera, por seus pecados, tolheito de maneira que todos tinham que nunca guareceria, nem seria pera homem.
E D. Egas Moniz, quando esto ouviu, pesou-lhe muito e disse: -«Senhor, antes cuido eu que por meus pecados aconteceu isto. Mas, pois a Deus aprouve ser tal minha ventura, dai-me, todavia, vosso filho, quijando quer que seja».
E o Conde, posto que tivesse grande pejo, pelo bem que a D. Egas Moniz queria, de o encarregar em semelhantes crianças, por causa d’ aleigão da criança, contudo lha deu, por comprir (o que lhe tinha prometido).
E quando D. Egas vio a criança tão fermosa e com tal aleijão, houve mui grande dó dela. E, confiando em Deus, que lhe podia dar saúde, a tomou e a fez criar, não com menos amor e cuidado, que se fosse mui são.

E, jazendo D. Egas Moniz uma noite dormindo, sendo já o menino de cinco anos, lhe apareceu Nossa Senhora e disse:
-«D. Egas, dormes?»
E ele, dixe:
-«Senhora, quem sois vós?»
E ela disse:
-«Eu são a Virgem Maria, que te mando que vás a um tal lugar - dando-lhe logo sinais dele - e faz i cavar, e acharás uma igreja que, em outro tempo, foi começada em o meu nome, e uma imagem minha. Faz correger a igreja e a imagem, feita em minha honra. E isto feito, farás i vegília, poendo o menino sobre o altar, e sabe que guarecerá e será são de todo; e não menos te trabalha, daí avante, de o bem criar e guardar, como fazes, porque meu Filho quer, por ele, destruir muitos imigos da fé».
Desaparecida, ficou D. Egas Moniz mui consolado e alegre.
E, tanto que foi menhã, alevantou-se logo, e foi-se, com gente, àquele lugar que lhe fora dito. E mandou aí cavar, e achou aquela igreja e imagem, poendo em obra todas as cousas que Nossa Senhora mandava. À qual aprouve, por sua santa piadade, tanto que o menino foi posto sobre o altar, nada tivera.
(Vendo) D. Egas Moniz, este tamanho prazer e milagre, deu muitos louvores a Deus e à Senhora Sua Madre, criando e guardando, daí avante, com muito amor e cuidado, o menino, cujo aio foi sempre, até que seu pai morreu em Estorga, sendo ele já de tamanha idade que, nas guerras e todas outras fadigas, supria os cargos de seu pai.
E, por causa deste milagre, foi, depois, feito, em esta igreja, com muita devação, o moisteiro de Cárcare.
E como quer que alguns contem seu nascimento haver sido Ultramar, e bautisado no rio Jordão, porém, por mais verdade, achei ser seu nascimento em a maneira que dixe.(2) "

(1) Ver na História da Expansão Portuguesa no Mundo, I, Lisboa, 1937, p. 8: os fac-símiles das cartas de D. Afonso Henriques de 1139 e 1140 com as assinaturas «Ego Egas Moniz curiae dapifer», e as cartas daquele nas Memórias do Mosteiro de Paço de Sousa, ed. da Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1942, p. 159.
-> "dapifer curiae", funções que aliavam a mordomia-mor com a vedoria.
(2) No cód. Cadaval 953, (Crónica G, do fim do séc XVI), encontramos, a seguir à palavra «Cárquere», o esclarecimento: «que é em cima do Douro, na Comarca da Beira».
Na actualidade a freguesia de Cárquere (941 hab. em 2001) insere-se no concelho de Resende, distrito de Viseu.
……..

Assim que :
1. para os crentes de que um "milagre" pode ser considerado um acontecimento histórico, sem dúvida alguma Alfonso Anriques (Afonso Henriques), o 1º rei de Portugal, é filho do Conde Henri de Bourgogne e de Dª Tareja ;

2. para os que têm capacidade de procesar o raciocinio critico, o individuo apresentado e protegido por Egas Moniz foi um usurpador, um impostor que ocupou o lugar que por direito sucessório, considerando o desaparecimento do herdeiro, era pertença da filha de Dª Tareja e do seu segundo marido, o Conde de Trastâmara.

3. muitos dos senhores feudais de Entre-Minho-e-Douro, assim como o bispo de Braga, estavam interessados no alargamento do território para o Sul, o que aos primeiros beneficiaria em termos de novas terras e ao segundo porque a influência de Santiago de Compostela era asfixiante para os seus projectos.

4. esta estratégia implicava um rei guerreiro, não um "tolheito" que não podia montar a cavalo, e menos ainda combater.

O "truque milagreiro" de Cárquere coloca no poder um protegido do sefardita Egas Moniz, e essa é a razão dos combates entre Alfonso e Dª Tareja, pois esta sabia que ele não era seu filho…
O verdadeiro filho do Conde Henri e de Dª Tareja, nasce em Guimarães, enquanto Alfonso, o usurpador, seria natural da região de Coimbra, filho bastardo de Egas Moniz, ou de algum próximo.
Em 27 de Maio de 1128 o Arcebispo de Braga e o Infante Alfonso lavram em Braga um importante documento. O Infante promete ao Arcebispo direitos sobre várias vilas e lugares, diversas isenções e alguns importantes privilégios. E acrescenta que tais concessões serão feitas, «logo que obtiver o governo de Portugal». E o documento a que nos atemos justifica ainda as liberalidades do Infante, ao dizer que elas se deviam à ajuda que ele receberia do Arcebispo.

A denominada Batalha de S. Mamede, travada em 24 de Junho de 1128, decidiu-se pela intervenção de tropas pagas por Gonçalo Mendes e seus irmãos, Soeiro Mendes e Paio Mendes (arcebispo de Braga), naturais da Vila do Trastamires (actual Maia), uma familia com antepassados mouros (Abou Nazar) e castelhanos (De Amaya ou Damaya).
Com efeito, porque as pequenas hostes revoltosas, presentes em nome do "falso infante", não ousavam atacar as tropas de Dª Tareja, já retiravam estas do local previsto para o encontro quando foram atacadas por surpresa, pelos flancos, por grupos armados que desorganizaram completamente o ortodoxo e rigido sistema do exército galaico.
A dificuldade ainda hoje existente em localizar "o local da batalha", deve-se a que não houve nenhuma batalha no sentido habitual de enfrentamento entre exércitos.
Em movimento de regresso à sua base, as tropas galaicas, incluindo muitos nobres portucalenses e suas tropas, foram fustigadas durante quilómetros. Não foi uma Batalha no sentido nobre do termo, mas um assédio guerrilheiro !

Recentemente, num "portal" da RTP dedicado ao concurso sobre grandes portugueses, era dito :
"Na mais shakespeareana das batalhas, Afonso Henriques, com 20 anos, qual jovem Hamlet, derrota os exércitos de D. Tereza e de Fernão Peres de Trava, e assume o governo do Condado Portucalense".
Nesta tentativa de transformar a História de Portugal numa telenovela caipira, se não nos enfrentamos a um voluntário insulto à inteligência, então estamos perante uma tentativa de institucionalizar a estupidez. E o pior, é que temos quem acredite !

As fantasmagóricas cortes de Lamego ou a lenda do encontro dos Arcos de Aldevez em 1140, entre as tropas de Alfonso Anriques e de Alfonso VII de Leão, transformado em Torneio ou em encarniçada batalha (dependendo da belicosidade do autor), são invenções para fazer crer que o impostor era aceite no Norte.

A 6 de Abril de 1129, através de uma carta de doação da Igreja de S. Bartolomeu de Campelo, Alfonso designa-se a si mesmo como Principe de Portugal (com 20 anos…).
Porém, ninguém reconhece tal titulo, pelo que, no ano de 1143, em Zamora, na presença do cardeal Guido de Vico, representante do Papa, Alfonso presta vassalagem ao bispo de Roma prometendo-lhe o pagamento de quatro onças de ouro em cada ano.
Oportunista, Alfonso VII, rei de Castela e Leão, aproveita para reconhece-lo como rei e, assim, tendo suzerania sobre um rei, passa a intitular-se Imperador !
Haverá que aguardar o ano de 1179 para Alfonso Anriques ser reconhecido como rei pelo Papa Alexandre III através da “Bula Manifestus Probatum“,… obviamente a Igreja conhecia o "milagre de Cárquere", e tardou em implicar-se.

Diz-nos Agustina Bessa-Luís, numa edição da “Guerra & Paz”, que "Salazar perguntava o que se há-de fazer dum país que começou com um filho a pôr a ferros a própria mãe".
Na realidade Dª Tareja não era a mãe de Alfonso, e por isso mesmo sempre combateu o impostor !

Meditemos numa frase de Alexandre Herculano, não tão enigmática como alguns pretendem :
“Há muitas vezes na História, ao lado dos factos públicos, outros sucedidos nas trevas, os quais, frequentemente, são a causa verdadeira daqueles, e que os explicariam se fossem revelados”.

próximo :
4. A geoestratégia de Cluny

1 comentário:

Anónimo disse...

¿Un segundo leonés aciago para España?