domingo, 29 de abril de 2007

O mito de Alfonso Anriques








4. A geoestratégia de Cluny
.

Considerando a instabilidade da instituição Papal, a ordem monástica beneditina de Cluny, fundada em 909, surge como um factor de regeneração da Igreja.
Não esqueçamos acontecimentos como os do "Sínodus Horrenda", pelo qual o Papa Estevão VI (897) desenterra um seu predecessor (Papa Formoso), faz julgar o cadáver, manda cortar-lhe três dedos e lança-lo às águas do rio Tibre…

Cluny faz entronizar os seus próprios Papas (cenobitas da Abadía de Cluny) e desenvolve uma estratégia política que, na Peninsula Ibérica, passa por duas importantes estruturações:
1- no cumprimento do mito cristão, pretende consolidar a veneração ao "apóstolo Jacobo (Iago - Santiago).
2- na consecução da "Reconquista" insiste em prosseguir no combate aos "árabes" (mouros ou sarracenos).

Para melhor compreensão da importância atribuida pela Ordem de Cluny a Santiago, e sua vinculação à Galaecia, façamos uma sucinta leitura da enigmática reivindicação que os textos cristãos fundadores (Evangelhos) fazem para os filhos de Zebedeo, Yaakob (Iago) e Yohanan (João), de um lugar respectivamente à direita e à esquerda de Cristo, e que situa os dois irmãos numa perspectiva Solar.
A direita e a esquerda de Cristo (simbolo Solar) significam o oriente (nascente) e o ocidente (poente), representados respectivamente pelo Papa (bispo de Roma), Ásia Menor (Eféso) relacionada com João, e pelo "Finis Terrae" (Finisterra) lugar de Tiago.
Esta interpretação figura expresamente num hino do século VIII (que inclui o acróstico Mauregat, rei asturiano : 783-789), e é retomada pelo sermão "Exultemus" do "Livro de S. Tiago" (I, XV) - "Codex Calixtinus", e representa a visão da época asturo-galega (ou anterior) para compreender a citada reivindicação do texto evangélico, numa época em que se preparava a relação de Santiago com a "Finisterra" galega, antes do "descobrimento" do túmulo do apóstolo.
Este e Oeste têm sentido como nascente e poente solar (no seu movimento aparente), pelo que, atribuindo a João o nascente, atribui-se a Tiago o poente, ou seja, o extremo ocidental da Europa, onde a Terra termina.
Santiago será pois a personificação cristã do Sol poente.
Por outro lado, se cada um dos dois irmãos (João e Iago) possui uma metade do percurso do Sol, obviamente é no apogeu desse movimento que se passa de João a Iago, nascendo este no momento em que o Sol está no ponto mais elevado do seu percurso (aparente).
Esse momento será, na escala do dia, ao meio-dia, e à escala do ano, no momento da Canícula, expressão de origem romana que designa a data de 25 de Julho (data em que a Igreja festeja o dia de Santiago).
nota : no império de Roma, a Canícula corresponde às festas de Neptuno e Mercúrio e vão do 23 ao 25 de Julho.

Tenhamos presente que muito antes do cristianismo se manifestar, já existia para os celtas um "caminho" ("labirinto iniciático") que terminava justamente onde "acaba a terra e o mar começa", num promontório da Gallaecia (Finisterra), a alguns quilómetros da actual Santiago de Compostela.
A denominação do território consolida-se em 239 da Era Actual, com a reforma administrativa empreendida por Diocleciano que estrutura a provincia de Gallaecia, segregando-a da Tarraconensis, e abarcando os "conventus" Bracarensis (Braga), Asturiacensis (Astorga) e Lucensis (Lugo).

Constatada a importância atribuida pelo cristianismo em situar Tiago (Iago) próximo da "Finisterra", por observância ao esoterismo evangélico (fundamentado numa mitologia muito anterior), é mais fácil compreender que Cluny, para lançar uma campanha activa contra os "infiéis" (muçulmanos) que permaneciam mais para sul do território, necessitava de "especializar" as suas acções.
O objectivo foi pois, desenvolver um centro de apoio ao "farol cristão do ocidente", fazendo descobrir um túmulo num antigo cemitério romano ("arca marmórica"), construindo uma capela e denominando o local como Compostela ("compositum tellus" = lugar de enterramento, segundo refere Amor Ruibal) que posteriormente tomou o nome de S. Jaime (uma derivação do latim Jacobus ; hebreu Yaakob), e depois Santiago de Compostela, que o arcebispo Gelmirez converteu num importante foco da religiosidade cristã.
Como se sabe, as "reliquias" de Santiago somente em 1884 foram reconhecidas como autênticas pelo Papa Leão XIII (bula "Omnipotens Deus").

A potenciação religiosa de Santiago rapidamente originou um ambiente de conflito politico-religioso entre Braga e Compostela.
A separação impunha-se e a Ordem de Cluny enviou dois monges-cavaleiros (Raimundo e Henrique) para participarem com o rei de León na "necessária" (segundo Cluny) reestruturação do território.
Compostela orientar-se-ia à implantação da reivindicação evangélica, enquanto Braga apoiaria a criação de um novo reino dedicado à "Reconquista".

Contrariamente à tradicional historíografía portuguesa, não foi a movimentação para fundar um reino independente no sul da Galicia que levou Braga a enfrentar-se a Compostela, mas sim a rivalidade entre elas (fomentada por Cluny) que gerou o mais poderoso elemento para a emergência de um reino originado no Condado Portucalense, neutralizando as proximidades culturais entre os dois territórios "unidos pelo rio Minho", mais tarde aproveitado pela monarquia lusitana para desenvolver um factor geográfico de separação.

Cumprindo com os propósitos de Cluny, o arcebispo Gelmirez tudo fez para conseguir um reino galego independente, com o que pretendia auxiliar o futuro rei Afonso VII de León, que ele mesmo entronizou em Compostela em 1111, convertendo assim em "definitiva" a separação da Gallaecia e originando um importante factor politico para a independência de Portucale.

próximo :
5. Portugal : nações amalgamadas num País

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é......!